Papa Francisco irá mesmo realizar a reforma da Igreja Católica?
Especialista explica reforma estrutural que o Papa Francisco e o Conselho de Cardeais têm levado adiante na Santa Sé
Mirticeli Dias de Medeiros*
Em 2013, o mundo surpreendeu-se quando Papa Francisco anunciou a criação de um conselho de nove cardeais, batizado de C9 pelos vaticanistas. Essa foi uma resposta que o pontífice deu aos pedidos feitos pelos membros do colégio cardinalício que durante as congregações gerais realizadas antes do conclave, solicitaram que o próximo papa estivesse atento à questão da colegialidade.
E se formos analisar a forma com a qual Francisco conduz o seu pontificado, há sempre uma tentativa de corresponder a esse desejo expresso pelos cardeais, os quais, não por acaso, têm como missão a de auxiliar o Sumo Pontífice, o que dá a eles a liberdade, inclusive, de questionar o Papa em relação à condução da igreja universal.
Não é que Francisco tenha institucionalizado a sinodalidade na Igreja – o mérito é de Paulo VI, uma vez que foi ele quem transformou o Sínodo dos bispos em um órgão permanente da Cúria Romana – mas, sem dúvida nenhuma, é Bergoglio aquele que mais têm insistido para que a vivência dessa dimensão não se limite apenas às assembleias de bispos que acontecem a cada dois ou três anos.
E a reforma da Cúria Romana, já está acontecendo?
Primeiramente, devemos levar em consideração que o termo “reformar a Igreja” é, por si só, equivocado. A você, pessoa de boa fé, só peço uma coisa: não o utilize. Isso está errado. E não foi à toa que inseri no título justamente essa expressão tão difundida. Sim, foi proposital, já que quando um jornalista faz uma pergunta, ele geralmente tem a intenção de construir e desconstruir muita coisa.
Se fôssemos falar de “reforma da Igreja”, que é uma realidade consideravelmente ampla, deveríamos pensar no magistério, nos dogmas, na tradição, na pastoral, e aí por diante. Muitos, inclusive, têm feito questão de utilizar o termo para criar uma espécie de antagonismo entre a figura carismática do Papa e a “estrutura engessada e arcaica” que, para eles, seria a Igreja Católica. Neste caso, o Papa seria agente de uma reconstrução ou recriação de um catolicismo que, ainda segundo eles, deve se submeter às exigências da sociedade contemporânea, ou melhor dizendo, às suas próprias exigências.
Portanto, usemos o termo correto, ou seja, “reforma da Cúria Romana”. O que seria essa reforma? Primeiramente, é uma reforma concreta que visa mexer no funcionamento dos diversos órgãos (pontifícios conselhos e congregações) que compõem a Cúria Romana.
Desde a criação do C9 até agora, o Papa promoveu a fusão de dicastérios, criou a pontifícia comissão para a tutela dos menores, o dicastério para o desenvolvimento integral, a reestruturação dos meios de comunicação do Vaticano e assim por diante. Esta é a reforma que ele está fazendo.
Contudo, precisamos estar atentos ao uso dos termos de modo que saibamos estabelecer a diferença entre o que seria essa reforma estrutural e o pontificado do Papa Francisco em si, esse último, algo que abrange uma série de pormenores.
Agora, se formos falar de eclesiologia no pontificado de Papa Francisco, a coisa muda de figura. O apelo pastoral do Papa, seu desejo de reforçar a diversidade da Igreja, de modo que os próprios católicos a reconheçam como uma riqueza, e a efetiva mudança de linguagem para facilitar a assimilação da doutrina, sem necessariamente alterá-la, são elementos que nos levam a identificar o diferencial desse pontificado. Basicamente, já podemos apontar duas novidades ao governo do Papa Francisco: uma reforma da Cúria Romana que conta com o apoio de pessoas cuja maioria não compõe a própria cúria – somente os cardeais Parolin, Pell e Bertello são membros da cúria romana. Ao todo, a Igreja passou por 4 grandes reformas durante toda a sua história e, em todas elas, os colaboradores do papa eram “curiais”. A segunda novidade é essa nova visão eclesiológica, a partir da qual a sinodalidade assume um papel efetivo.
Quem são os membros do C9?
Os membros da equipe são: Cardeal Óscar Maradiaga (Honduras); Giuseppe Bertello (Itália); Francisco Ossa (Chile); Oswald Gracias (Índia); Reinhard Marx (Alemanha); Laurent Pasinya (Congo); Sean O’Malley (Estados Unidos); George Pell (Austrália) e, por fim, Pietro Parolin, Secretário de estado de Sua Santidade – não se assustem, esta é a nomenclatura correta, de acordo com os historiadores, e não “Secretário de Estado da Santa Sé”.
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*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista especializada em coberturas religiosas, bacharel em História da Igreja e bens culturais da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Atualmente, faz mestrado em História da Igreja na mesma instituição. Depois de atuar em vários meios de comunicação no Brasil e na Itália, entre os quais Canção Nova, Século 21, Agência de Notícias Aleteia, entre outros, colabora com a Rome Reports, agência de notícias internacional especializada em Papa e Vaticano, com sede em Roma.
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