17/12/2016

De esperança em esperança

O falecimento do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Emérito de São Paulo, reavivou a memória histórica de cinco décadas da relação Igreja e sociedade no Brasil, ajudando-nos a repensar essa relação, hoje

O falecimento do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Emérito de São Paulo, reavivou a memória histórica de cinco décadas da relação Igreja e sociedade no Brasil, ajudando-nos a repensar essa relação, hoje. Grande parte do seu ministério episcopal foi exercido no contexto da longa ditadura militar, instalada em 1964. Estaríamos vivendo, hoje, desafios similares? Certamente, pois militantes da classe trabalhadora, especialmente jovens, expressam um renovado clamor por apoio a suas lutas em prol de uma nova democratização.

Além de ícone do desenvolvimento pastoral da Igreja no período pós Concílio Vaticano II, Dom Paulo tornou-se um dos protagonistas do engajamento da Igreja na luta pela redemocratização do Brasil e da América Latina: estimulou a Teologia da Libertação; favoreceu o desenvolvimento de Comunidades Eclesiais de Base e Pastorais Sociais, desde realidades de pobreza; incentivou movimentos sociais, sindicais e políticos democráticos; afrontou com coragem o regime repressor; lutou contra a tortura; e defendeu persistentemente os direitos humanos, com espírito ecumênico.

Sou testemunha do seu estímulo à militância dos trabalhadores e trabalhadoras, especialmente jovens, quando na abertura do 3º Congresso Nacional de Jovens Trabalhadores, na PUC de São Paulo, em 1983, ele disse com o tom encantador de sempre: “O entusiasmo de vocês é a garantia de que o Brasil vai encontrar o caminho da justiça e da fraternidade”. Ele queria que a Juventude Operária Católica (JOC), organizadora desse Congresso, fortemente reprimida pela ditadura, continuasse se reconstruindo e atuando com apoio eclesial.

Por isso, Dom Paulo referiu-se naquele Congresso a “um documento que a JOC promulgou nos tempos de liberdade, em 1963, quando ainda podia reunir-se”, que diz: “A promoção operária é, para o cristão, um fato inevitável. Isto porque é querida por Deus, e a vontade de Deus é criadora. A miséria de nosso povo não é querida por Deus, pois é uma blasfêmia contra o amor de Deus, num mundo que ousa se dizer cristão”; e destacou: “Foi assim que falaram nossos companheiros em 1963 e logo depois a voz deles foi silenciada pela repressão. Hoje, vocês retomam a grande caminhada e uma grande responsabilidade, e nós queremos estar com vocês”.

Essas palavras encorajadoras de Dom Paulo ressoam, hoje, no coração de muitíssimos militantes que continuam a tarefa histórica de formação e organização de novos militantes da classe trabalhadora. Esse mesmo encorajamento foi dado pelo Papa Francisco, em carta dirigida à Juventude Operária Cristã Internacional, por ocasião do seu 14º Conselho Mundial, realizado na Alemanha, este ano. Presente na missa de abertura desse Conselho, ressaltei a importância atual dessa organização juvenil da classe trabalhadora e seus desafios no mundo inteiro, e conclamei: “assumamos esses desafios como um chamado de Deus!”.

Militantes da classe trabalhadora, especialmente jovens com inspiração cristã, estão clamando por um renovado apoio às suas justas iniciativas de ação, pois ressurgem estilos ditatoriais de governo, dissimulados em democracia. Tomemos a iniciativa de mostrar, como Dom Paulo, que esses militantes que lutam por uma permanente e progressiva democratização, não estão sozinhos. Assumamos esse compromisso com profunda confiança em Deus, inspirados no testemunho de Dom Paulo e no seu lema episcopal “Ex Spe in Spem”, ou seja, “De Esperança em Esperança”.

Por Dom Reginaldo Andrietta – Bispo Diocesano de Jales, SP

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