Os leigos desde a Igreja Primitiva à Trento
porA concepção do laicato na primavera do Concílio Vaticano II: Um percurso histórico da Igreja primitiva à primavera do Concílio (parte 2) Ailton Bento Araruna[1] Os leigos desde a Igreja Primitiva à Trento Os leigos sempre foram presentes na vida eclesial. Um ponto evidente disto é o de que desde os primeiros passos da […]
A concepção do laicato na primavera do Concílio Vaticano II: Um percurso histórico da Igreja primitiva à primavera do Concílio (parte 2)
Ailton Bento Araruna[1]
Os leigos desde a Igreja Primitiva à Trento
Os leigos sempre foram presentes na vida eclesial. Um ponto evidente disto é o de que desde os primeiros passos da Igreja pelo Sacramento do Batismo as pessoas são inseridas como membros da Igreja (Cf. Mt 28,19). Os membros da Igreja são distintos enquanto a forma de vida eclesial: hierarquia, religiosos e laicato. Tal distinção é natada por dois aspectos, o dogmático (pois o batismo é condição para assumir uma das formas de vida eclesial) e o histórico (a distinção entre hierarquia e laicato está intrinsicamente ligada à fundação da Igreja). É um profundo engano pensar a Igreja tão somente como clérigos (hierarquia e monges/religiosos).
“Desde a metade do século III, distinguimos na Igreja três estados: distinção evidente na realidade antes de ser formulada e codificada, mas que não demorará muito para ter fórmula canônica. Desde esse momento, a Igreja não somente vive: o que fez desde sua animação em Pentecostes; não somente tem uma estrutura essencial: pois a recebeu do Senhor em diversos momentos de sua vida terrestre; mas atingiu seu tipo permanente. Ora, se a estrutura da Igreja comporta a título essencial a distinção entre clérigos e leigos, sua vida, melhor ainda, seu tipo permanente comporta um distinção entre estados ou condições: de leigo, de clérigo e de religioso.” (CONGAR. 1966, p. 17).
Enquanto a existência dos leigos na Igreja, vimos que desde a fundação dela, eles a compõem, sendo os primeiros leigos os primeiros cristãos que não viviam a forma hierárquica e, posteriormente, não viviam a forma monástica/religiosa. Após o esclarecimento acerca da origem do laicato, temos outro ponto que não foi discutido: desde a sua origem o leigo vive ou não seu apostolado? Há duas generalizações opostas a esse respeito. Uma defende a tese de que absolutamente todos os leigos não realizaram nenhum tipo de protagonismo[2] na vida apostólica da Igreja no período compreendido da cristandade medieval e se estende até o surgimento da Ação Católica. A outra defende que essa vida apostólica se deu somente após o Vaticano II.
Na obra, Leigos em quê?, Antônio José de Almeida, com uma perspectiva histórico-teológica, relata o assunto sobre essas generalizações, demonstrando a presença e o apostolado dos leigos exercido com capacidade e protagonismo.
No Antigo Testamento, por força da eleição divina e da Aliança, Israel é eleito e realiza uma Aliança com Yahveh como povo Deus (Cf. Dt 29, 12; Lv 26, 12), povo santo, a ele consagrado, por ele separado. Como Israel é infiel à Aliança, os profetas anunciam uma nova e eterna aliança realizada pelo Messias, desta aliança nascerá um novo povo (Cf. Is 10, 10). Ela é realizada em Cristo e por Cristo, pela vontade do Pai, na ação do Espírito Santo. Os fiéis em Cristo são regenerados, constituem a novo povo de Deus (Cf. 1Pd 2, 9-10; LG 9). Um povo consagrado pela unção do Espírito Santo.
A Igreja incorpora cada fiel a c risto por meio do batismo e também da eucaristia, edificando o Corpo de Cristo, a Igreja. No âmbito desse povo que é todo consagrado, sacerdotal, o Espírito é que suscita uma variedade de ministérios e de carismas, assim, podemos afirmar que todo o cristão é carismático, isto é, carisma aqui quer dar uma conotação de consagrado, em vista de uma missão própria e distinta na igreja e no mundo. (GERALDO, 2009, p. 32)
Nas primeiras cmunidades já era presente a valorização do verdadeio testeminho cristão, obtendo seu caráter mais claro e convincente a entrega de si mesmo ao Deus revelado em Cristo, esta entrega poderia levar até ao martírio. Isto ocorreu com Estevão, testemunho que será tomado como exemplo por outros homens e mulheres (Cf. ALMEIDA, 2006, p. 37).
Os mártires nos transparecem uma ênfase ao verdadeiro testemunho no seguimento a Cristo, doando a própria vida, trouzeram ao conhecimento de todos a novidade cristã. Neste contexto de perceguição, muitos leigos acolheram em suas propriedades os perceguidos como também as vítimas da perseguição. A ação individual e comunitária dos leigos realiza importante papel na conversão de judeus e pagãos nos primeiros passos da Igreja Primitiva.
Igualmente é conhecido de todos que a ideia cristã se propagou pelas vias consulares não só graças ao zelo dos bispos e sacerdotes, mas também pela obras doas magistrados civis, dos soldados e também dos cidadãos comum. Muitos e milhares de crentes, há pouco aportados à fé, dos quais hoje se ignoram os nomes, animados pelo desejo ardentíssimo de difundir a nova religião por eles abraçada, procuraram preparar-lhe a estrada, de modo que, depois de cerca de cem anos, o nome e as virtudes cristãs já tinham atingido todos os centros mais importantes do Império Romano – Almeida cita em sua obra e pesquisa histórica o Documento de Pio XII, Evangelli praecones,7 – (Cf. ALMEIDA, 2006, p. 31-32).
Sob as palavras de Tertuliano, “Os cristãos fazem-se, não nascem feitos.” (Cf. ALMEIDA, 2006, p. 31), os cristãos formam a Igreja de Deus santa e consagrada, a nação santa, o povo adquirido. Neste ambiente, o termo “leigo” ganho o significado de consagrado, santificado. Este caráter de satificado se dá pelo batismo, a unção do batismo faz dele um “cristão”.
Após do período das perceguições pelos governantes romanos, a Igreja começou a se organizar, uma sistematização que não demorou muito para mudar e deixar claro o papel de cada membro dentro da Igreja. Essa organização deixou um pouco de lado os leigos. No contexto cúltico, eles ocuparam os últimos lugares.no século III, começa a valorização da tríade Bispo, presbíteros e diáconos. Dentro de cada comunidade começa a se diferenciar o ordo e plebe, clérigos e leigos (Cf. ALMEIDA, 2006, p. 42).
Após a união da Igreja ao Império, as perceguições cessaram, consequentemente houve um maior sentimento de segurança, e o sentido escatológico que move a Igreja foi silenciando. Somando essa união com a presença dos povos pagãos, a Igreja dá início uma nova relação dialética, voltando para seu interior. Dessa relação surge uma vida espiritual separada das realizações mundanas, onde do lado espiritual estam os monges e o clero, e do lado mundano (carnal) estam os outros, os leigos. Aqueles se ocupam tão somente do serviço divino e nada mais, já estes é permitido adquirir bens temporais, se ocupar das coisas de seu tempo, passando a ser excluidos de todo serviço de ordem sagrada. Com o polo hierarquico, os leigos se afastam e perdem o sentido de carismas e ministérios existidos na Igreja Primitiva. (Cf. FORTE, 1987, p. 33). O leigo passa a ser não apenas aquele que se ocupa das coisas de seu tempo, mas também, aquele que não tem nenhum serviço de ordem sagrada, isto é recervado a hierarquia.
Com a queda de Constatinopla pelos turcos otomanos muitos pensadores, artistas e comerciantes bizatinos vieram viver em Roma e cidades comerciais da Itália. Eles provocaram os primeiros passos sobre os escritos dos antigos (procurar em Reale para cf.) que terminariam alcançando o Renascimento, onde nos interessa a sua face humanista. Uma das consequências do Humanismo (procurar nota de roda pé sobre o que o humanismo, livro de história) para os leigos é o interesse maior pelas irmandades e as ordens terceiras medievais[3], como também o surgimento de organizações leigas (As Conferências de São Vicente de paulo, fundada por Frederico Ozanam).
Esse novo relacionamento da Igreja com o mundo se dá não pelo fato de uma nova abertura da Igreja em vista as mudanças do mundo moderno, mas sim pelo fato de uma nova alternativa para construir novas estruturas que fassam-se presentes na sociedade cristianizada. O ardente desejo de voltas às fontes no século XX, passos dados com o movimento bíblico, patrístico, litúrgico e ecumênico, o crescente participação dos leigos, as alterantes guerras mundiais e tudo isso em meio a uma realidade secular, geram uma mudança da maneira de pensar por parte das comunidades eleciais. Essa mudança tem reflexo direto na eclesiologia, tanto uma relação Igreja com a Trindade (sua profundidade cristológica, pneumatológica e sacramenntal), quanto com o mundo.
Os leigos recuperam o sentido comunitário da realidade eclesial, buscando concientizar os membros dos grupos sobre o que diz o magistério para saberem como santificar o mundo. A Igreja se ver na incubência de refletir sobre o mundo e sobre se mesma. Fruto dessa reflexão é a ideia de Igreja como sacramento, como povo de Deus e Igreja como comunhão de pessoas e Igrejas. (CF. FORTE, 2005, p.15.) Vivendo no mundo, mas sem sermos do mundo, santificando-nos, santificamos o mundo.
[1] Aluno do quinto semestre do Curso de Teologia no Centro Universitário Unicatólica, Quixadá-CE. E-mail: ailtonarquivos@gmail.com.
[2] “A palavra [protagonismo] vem do grego prôtos = primeiro ou principal, e agonia = luta ou esforço.
Protagonista: pessoa que desempenhou ocupa o primeiro lugar ou o papel principal. É um vocábulo que vem do teatro. Aplicado aos fiéis leigos em apostolado, deve ser claramente explicado, para evitar aspirações que depois podem revelar-se irrealizáveis ou de fato ou de direito.” (KLOPPENBURG, 2005, p. 264-265). O próprio G. PHILIPS ao comentar sobre o apostolado dos leigos na Lumen Gentium reconhece essa realidade: “Tal vez tengamos incluso la impresión de que el concílio no nos ensaña nada nuevo em este punto. No es difícil advertir, sin embargo, que es más fácil hacer reconocer a los seglares el sitio que lhes corresponde que hacerles sacar las consecuencias prácticas de esta doctrina.” PHILIPS, 1968, p. 40.
[3] Estas irmandades e ordens já haviam alinhado os oratórios e as Companhias do Divino Amor (1497). Os montepios (século XIV), as Fraternitates da Devotio Moderna (nos Países Baixos), em seguida irão juntar-se as companhias ou escolas da Doutrina Cristã (Milão 1536), as Congregações Marianas (santo Inácio de Loyola), os oratórios (são Felipe Néri), etc. Contemporaneamente inicia-se a promoção da presença feminina e ativa das mulheres, graças às congregações femininas orientadas para obras sociais. Cf. FORTE, 1987, p. 34-35.
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