11/04/2017

Morte espiritual e ressurreição

por Vicente de Paula Abreu

Mal cheiro… decomposição… morto há quatro dias… Esta era a situação desoladora de Lázaro. Havia muita gente tentando consolar suas irmãs Marta e Maria. Mas, na verdade, todos estavam inconsolados, pois Lázaro era muito querido e falecera ainda novo. Tudo era silêncio e tristeza. De repente chega um grande grupo na casa e começa um […]

Mal cheiro… decomposição… morto há quatro dias… Esta era a situação desoladora de Lázaro. Havia muita gente tentando consolar suas irmãs Marta e Maria. Mas, na verdade, todos estavam inconsolados, pois Lázaro era muito querido e falecera ainda novo. Tudo era silêncio e tristeza.

De repente chega um grande grupo na casa e começa um alvoroço. Marta sai correndo para ver o que estava acontecendo. Do lado de fora da casa pára e vê uma multidão se aproximando. Começa a reconhecer os discípulos de Jesus, amigos e simpatizantes do mestre e, finalmente, Ele se destaca no meio deles.

Ao reconhecê-lo, Marta corre ao seu encontro e, deixando extravasar o pranto e a dor, desabafa: “Se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. Responde Jesus: “Teu irmão há de ressuscitar”. Ela, recordando-se de um dos principais ensinamentos dele, diz: “Eu sei que ele há de ressuscitar no último dia”. E Jesus, certamente segurando o rosto de Marta e olhando-a nos olhos com ternura e firmeza, afirma: “Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em mim, ainda que esteja morto viverá… crês nisto?”

Marta, não compreendendo o alcance das palavras de Jesus, responde “sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem a este mundo”. E vai avisar a Maria que Jesus chegou. Esta, ao saber que Jesus chegara, corre ao seu encontro e lança-se aos seus pés chorando. Também ela desabafa: “Se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. A comoção é tamanha, que Jesus também chora. E pede que o levem ao túmulo.

Chegando lá, ordena: “Tirem a pedra”. Ora, para a sociedade, o que Jesus acaba de ordenar é um grande absurdo. Para eles, quem ao menos passasse perto de um túmulo era considerado impuro. Quanto mais quem o “violasse”, tirando-lhe a pedra. Marta diz: “Senhor, já cheira mal, pois está aí há quatro dias!” Mas Ele responde: “Marta, eu não te falei que, se creres, verás a glória de Deus?”

Tiraram, pois, a pedra. Jesus agradeceu ao Pai e, com um forte grito, ordenou: “Lázaro, vem para fora”. Silêncio total! O que terá passado pelo coração de cada um ali presente nesse momento? Quem terá conseguido piscar os olhos nessa hora? A expectativa do que aconteceria prendia a respiração de todos. E, de repente, “saiu o que estivera morto”. Lázaro ressuscitou, e muitos creram em Jesus.

A morte espiritual
Reler esse texto, ou melhor, reviver a cena da ressurreição de Lázaro, é sempre maravilhoso! Este, certamente, foi o milagre mais espantoso que Jesus realizou em sua vida pública; foi seu último milagre antes de ir a Jerusalém, para a última páscoa e morrer crucificado.

Quem diria… um cadáver, em decomposição há quatro dias, volta a viver! É realmente impressionante! Porém, ao reler e meditar, corremos o risco de parar no tempo, há dois mil anos, pensando que aquilo só aconteceu lá. Isso é um engano! Jesus está vivo e é o mesmo ontem, hoje e sempre. Ele pode, quando quiser, ressuscitar um morto, como de fato têm testemunhado alguns missionários contemporâneos nossos.

Mas convenhamos, esse é um milagre que Jesus fez e fará para que se manifeste a sua glória e para que creiam nele. Não veremos isto acontecendo a todo momento. Afinal, a morte é parte importante no ciclo natural de nossa vida.

Existe, porém, uma morte que não faz parte do “ciclo natural da vida”. Ela é como que um aborto em nossa existência e dela, mais do que nunca, Jesus quer nos libertar. Trata-se da morte espiritual.

Na verdade, ela é pior que a morte física, pois trava o nosso coração, tornando-o cego às realidades maravilhosas que Deus reservou para nós. Ela é tão sinistra que pode nos matar, mesmo antes da morte física. E isto, sim, devemos temer.

A nossa ressurreição
Mas o que fazer?! “Tirai a pedra”.
Diante da ressurreição de um morto, afastar uma pedra era coisa muito simples. Entretanto, Jesus não o fez; ao contrário, ordenou que os presentes o fizessem. E eles obedeceram. Correram o risco de tornarem-se impuros ao tocar num túmulo, mas obedeceram. Da mesma forma Jesus nos fala hoje: “Tire a pedra! Reconheça que existe morte dentro de você. Reconheça que você precisa da minha salvação”. Nossa sociedade também tem seus tabus quanto a isso. Entrar em si mesmo, reconhecer a morte, identificar e aceitar nossas máscaras e “cartas escondidas”, é coisa que não se faz. Mas é preciso correr o risco de tornarmo-nos “impuros” e mergulharmos dentro de nós mesmos.

Aí corremos outro perigo: o de querermos purificar a nós mesmos para que então o Senhor faça a sua obra. Situação semelhante seria se aqueles que tiraram a pedra do túmulo de Lázaro quisessem eles mesmos devolver-lhe a vida. Não. Isso é para Deus. Só Ele pode – e quer – fazê-lo. Nosso trabalho é de apenas reconhecer a morte em nós, o homem velho que sempre quer voltar, e de nos apresentarmos a Jesus tal qual nós estamos: cheirando mal, enrijecidos, machucados. O filho pródigo não se limpou antes de voltar para a casa do seu pai. Ele foi como estava: sujo, feio, cheirando mal. Mas o pai o recebeu com festa e o purificou.

Também nós. Apresentemo-nos a Jesus como estamos agora. Não queiramos nos purificar para ir até Ele. É Ele quem purifica, é Ele quem dá a vida. E digamos: “Senhor, aqui estou eu. Tu me conheces e sabes de tudo: da morte que existe em mim, das máscaras que uso, das cartas escondidas em minha manga… E é assim que me apresento a ti. Ressuscita-me, Senhor. Devolve-me a vida. Dá-me a tua transparência. Cura-me de tantos traumas, decepções e sofrimentos que me fazem agir assim…”. E Jesus vai segurar nosso rosto com suas mãos, vai olhar nossos olhos com ternura e firmeza e vai dizer: “Não tiveste medo de descer até este túmulo. Pois eu te digo que, se creres, verás a glória de Deus. Eu sou a ressurreição e a vida. Estou em ti. Vieste ao fundo do túmulo e aí me encontraste vivo e ressuscitado por ti, para ti. Dá-me tua morte, recebe minha vida”.

Que nos restará responder senão: “Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vieste a este mundo por amor a mim, e creio que tu podes e queres ressuscitar-me. Que assim seja!”.

E o mundo será melhor, tendo mais pessoas “necessitadas” e transparentes.
Façamos sempre este exercício. Não deixemos que a morte se apodere de nós novamente. Vamos deixar que a cada dia o Senhor nos cure mais e mais, nos ressuscite continuamente a fim de que nossa vida testemunhe que Ele é a ressurreição e a vida.

A confissão pode-nos ser também uma fonte sempre renovadora da ressurreição do Senhor, pois, para confessarmos, é preciso descer ao nosso “túmulo”, reconhecer a morte, a podridão que existe em nós e passarmos pela humilhação de contarmos a alguém (ao sacerdote que representa Jesus). Contudo, ali também está a palavra de Jesus que diz: “Lázaro, vem para fora”, quando o padre diz: “Eu te absolvo de todos os teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Portanto, não deixemos a ressurreição passar indiferente em nossa vida, como se fosse um acontecimento da vida de Jesus que não nos diz respeito. Apoderemo-nos dela pelo poder do Espírito Santo e deixemos que o Senhor nos revele suas riquezas que estão, desde toda a eternidade, reservadas para nós, para cada um de nós, pessoalmente. Pois a ressurreição que Deus faz em nossa vida, por meio e com Jesus Vivo e Ressuscitado, é uma ressurreição eterna, jamais terá fim!

Não percamos esta oportunidade, mas nos lancemos na luta da morte do pecado, e vivamos assim a ressurreição de Lázaro, a nossa ressurreição!

O anúncio da ressurreição de Cristo, no sábado santo, é uma recordação do sábado da ressurreição de Lázaro. A semana santa vem assim a ser situada entre duas ressurreições: a primeira como sinal e antecipação da do Redentor.

Lázaro é, pois, o “exórdio salvífico de nossa regeneração”, o “tipo” dessa nova criatura que se dispõe a surgir do sepulcro.

Como na primeira criação, também na segunda é a voz divina, a voz do Criador, a que vai realizá-la. Ali, o Criador chamou tudo pelo nome, outorgando, assim, a tudo existência e vida; aqui, chama Lázaro pelo nome e o ressuscita dentre os mortos.

Mediante o Espírito de vida e tua palavra, insuflando a vida sobre o pó, outrora vivificaste o barco. E hoje, com tua palavra, portadora de vida, libertas o amigo, como Deus que és, da corrupção do abismo profundo.

Lázaro é o “tipo” da humanidade enferma e morta, da ovelha devorada pelo lobo; o “tipo” do homem que, ao pecar, fica submetido à morte…

O que foi dito, até aqui, expressa-se de forma pitoresca no relato do Apócrifo de Nicodemos. Eis o que se lê:

Cristo desceu aos infernos; as almas dos justos estão sabendo de sua chegada. Discutem o Averno e Satanás, o herdeiro das trevas. Diz Satanás: “No mundo de cima, e enquanto viveu com os mortais, Jesus causou-me muito dano. Onde encontrava meus seguidores e servidores, perseguia-os; e todos quantos eu tinha feito aleijados, cegos, leprosos, coxos, etc., curava-os ele com uma só palavra; e com a palavra somente deu vida a muitos, já sepultados”.

Diz o Averno: “É realmente assas poderoso para fazer, com uma só palavra, semelhantes coisas? (…) Acabas de dizer-me, herdeiro das trevas (…), que com uma só palavra deu a vida a muitos que já estavam próximos de ser sepultados: se, pois, livrou outros do sepulcro, como e com que força poderá ser ele retido no meio de nós?”

“Com efeito, há pouco devorei eu um morto chamado Lázaro e, não muito depois, alguém dentre os vivos mo arrancou das entranhas unicamente com sua palavra. Creio que é o mesmo de quem me falaste. Temo, pois, que, se o recebermos aqui, coloquemos em perigo também os outros. Desde o começo venho devorando a todos os homens; porém, ei-los aqui inquietos; até eu mesmo sinto mal-estar nas entranhas. Não é para mim nenhum bom sintoma esse Lázaro que me foi arrebatado: com efeito, fugiu de mim, não como um morto, mas como se fosse uma águia; a terra jogou-o fora num instante.”

Lázaro, a criatura, não diz nada; não realiza gesto nenhum; é apenas objeto de um grande milagre (…). Para o crente é sempre possível o que deseja, precisamente porque possui a fé que tudo pode e através da qual se recebe de Cristo tudo quanto se lhe peça.

Vicente de Paula Abreu

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