10/01/2016

Misericórdia. Entenda a profundidade dessa palavra tão essencial para a Igreja.

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A palavra latina “misericórdia”, de acordo com o seu sentido original significa ter o coração (cors) voltado para os pobres (miseri), estando em comunhão com eles. O mesmo, segundo o grande cardeal e teólogo católico Walter Kasper, que “sentir afeto pelos pobres”, “amar os pobres”. Em termos antropológicos, traz um sentido muito próximo de compaixão, o […]

A palavra latina “misericórdia”, de acordo com o seu sentido original significa ter o coração (cors) voltado para os pobres (miseri), estando em comunhão com eles. O mesmo, segundo o grande cardeal e teólogo católico Walter Kasper, que “sentir afeto pelos pobres”, “amar os pobres”.
Em termos antropológicos, traz um sentido muito próximo de compaixão, o que implica sentir e sofrer com os mais vulneráveis, os pobres, os excluídos, ou seja, aqueles cuja vida é mais agredida e diminuída. A palavra aponta para a atitude de quem consegue sair de seu egoísmo e fazer um êxodo em direção aos outros, sobretudo às pessoas afligidas pela pobreza e por todos os tipos de miséria.
Nas diferentes religiões do mundo, há várias convergências com relação ao sentido desta palavra, incluindo misericórdia e compaixão pelos outros e respeito e reverência pela vida. Aquilo que para uma mentalidade secular e iluminista pode parecer acessório é sagrado para os representantes dessas religiões. Assim entendemos as propostas do budismo, hinduísmo e muito especificamente das três religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
A tradição da Igreja, notadamente na reflexão de seus grandes expoentes como Agostinho e Tomás de Aquino, seguiu essa interpretação, diferente da filosofia grega – excetuando Aristóteles – que enfatizava mais a razão e a justiça sem a compaixão que poderia impedir um juízo justo, como diz Platão. Também o estoicismo sustenta não ser a compaixão compatível com o ideário ético que pratica, já que este prega o domínio da razão sobre as afetos e a ataraxia ou imperturbabilidade contra a compaixão, que seria uma verdadeira doença da alma.
A teologia cristã tem, então, como linha-mestra na compreensão do que seja a misericórdia ou a compaixão o fato de ser afetado pelo sofrimento dos outros, não só de uma forma emocional, que remove o coração e os sentimentos, dando tristeza e pena, mas igualmente ou sobretudo de forma eficaz, na medida em que busca combater e superar a carência e o mal.
Desde os seus primórdios, a Igreja pratica a misericórdia para com os pobres, não só no plano privado, mas também comunitário e mesmo institucional. Muito cedo se consolidou no cristianismo o cuidado dos pobres e doentes, levado sob custódia e responsabilidade pela comunidade eclesial na pessoa dos Bispos que, através dos diáconos, a instituíram como ministério.
Esta configuração institucional por parte da Igreja da misericórdia e da compaixão pelos mais fracos foi introduzida em boa parte na cultura europeia ocidental e a partir daí tornou-se patrimônio da humanidade.
Hoje, esta prática de misericórdia e compaixão tomou formas mais secularizadas. No entanto, são ainda inúmeras as obras e instituições eclesiais dedicadas à caridade para com os mais fracos, inspirada no Evangelho de Jesus, sua “norma non normata.”
A Modernidade, com o primado da razão, colocou sob suspeita essa universalidade da misericórdia e da compaixão, assim como outras coisas vindas do mundo medieval e teocêntrico. No entanto, é um fato que nos tempos contemporâneos, muitos dos mais famosos filósofos do século passado e presente – cristãos ou não – refletiram sobre a importância da gratuidade do dom e de doar como o fundamento de uma antropologia que se quer digna de crédito para as pessoas de hoje.
Isto foi reforçado pelo Papa Francisco na Bula “Misericordiae Vultus”, que convoca o Ano Santo da Misericórdia. O Pontífice afirma ali que a misericórdia é a viga mestra que sustenta a vida da Igreja. E, por isso, tudo em sua ação pastoral deve ser revestido de ternura, compaixão, misericórdia sob pena de ser um antitestemunho. A credibilidade da Igreja passa pelo caminho da misericórdia e compaixão.
Convocando assim a Igreja que preside, o Bispo de Roma salienta a misericórdia muito concretamente não como sentimento espiritual vago e abstrato, mas como prática responsável que carrega em si o futuro da Igreja. O apelo à misericórdia deriva de uma falta, uma deficiência, uma carência de algo que é um direito humano ou da própria criação. Essa carência precisa ser respondida. É um clamor que convoca a Igreja a dar uma resposta efetiva e não teórica, que tem seu fundamento na Escritura e do Evangelho.
Trata-se de uma verdadeira conversão não a uma ideia abstrata, mas a uma realidade concreta.  A Igreja deve ser ícone, imagem do Deus que revela seu amor, que é como o de um pai ou uma mãe cujas entranhas são movidas nas profundezas de seu ser pelos sofrimentos que passam seus filhos. O amor misericordioso de Deus é realmente “visceral”, feito de ternura e compaixão, tolerância e perdão.
A misericórdia não é tão somente a benevolência de Deus que concede o perdão ao pecador arrependido. Antes disso, é a dinâmica do amor de Deus, que vem ao encontro do ser humano em suas necessidades, seja este ou não pecador, esteja ou não arrependido, tenha ou não fé no Deus que o busca apaixonadamente e se solidariza com seu sofrimento.
A graça desse Deus possibilita a nossa conversão. Em pleno Advento, esperando a vinda do Senhor no Natal, é um belo programa de vida e espiritualidade: viver uma verdadeira conversão à misericórdia.
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