21/04/2020

Honradas e devotas: mulheres da Colônia

por Diácono Durval Filho

O texto intitulado “Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia”, é uma tese de doutorado sobre a condição feminina através dos conventos e recolhimentos do sudeste entre os anos de 1750 a 1822.

HONRADAS E DEVOTAS: MULHERES DA COLÔNIA

O texto intitulado “Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia”, é uma tese de doutorado sobre a condição feminina através dos conventos e recolhimentos do sudeste entre os anos de 1750 a 1822. Foi escrito por Leila Mezan Algranti do Curso de História da Universidade de São Paulo no ano de 1992, contendo 369 páginas, divididas em três partes, em oito capítulos, acrescidos da introdução, conclusão e anexos.

A estrutura textual é apresentada em três partes, sendo a primeira em três capítulos, contendo em cada capítulo três pontos onde apresentam a ideia geral dos muros da clausura. A segunda parte se divide em dois capítulos, cada um com dois pontos, expondo a forte presença feminina nos conventos e recolhimentos. A terceira e última parte possui quatro capítulos, com dois ou três pontos cada um, que contam o cotidiano das mulheres que vivem sós e reclusas.

A introdução expõe quais os motivos de tal pesquisa, e todos os passos feitos pela autora para a conclusão e mostra a verdadeira história, que no geral foi conhecida pelas consultas da documentação da polícia do Rio de Janeiro, referente aos dois conventos: da Ajuda e Santa Teresa no Rio de Janeiro, e aos três recolhimentos de Santa Teresa e da Luz em São Paulo e de Macaúbas em Minas Gerais.

A pretensão da introdução não é fazer uma história das instituições de reclusão, e sim compreender o significado desses estabelecimentos enquanto expressão dos anseios da sociedade e o que eles representavam para essas mulheres. Com o objetivo de detectar os aspectos comuns da vida das mulheres reclusas, sem perder de vista as diferenças e distâncias que mantinham entre si.

Não se trata de um estudo de história da Igreja, ou sobre religiosidade popular. Mas de elementos, diretrizes e acontecimentos importantes do desenvolvimento do cristianismo que são fundamentais, como a condição colonial e o recorte temático da mulher.  Três aspectos acompanham e dirigem a investigação: a Igreja (instituição), Colônia (situação estrutural) e Mulher (protagonista).

O percurso central do estudo foi compreender o significado e a especificidade da reclusão institucional feminina na Colônia, que muitas vezes se oculta à sombra de explicações que relevam a importância das mulheres enclausuradas ao longo do tempo. Essas mulheres, que consideradas à margem da sociedade, geralmente vistas como pouco importantes e participantes, trancafiadas entre os muros, por falta de opções de escolha e por isso infelizes. Umas sim, outras não. Umas por desejo próprio, outras por desejos de outros. Outras mais, que acabaram descobrindo nesses espaços a felicidade.

A presença da escravidão nos conventos altera os princípios básicos da vida monástica, onde por isso foram introduzido nos claustros a propriedade privada, surgindo assim uma oposição ao cumprimento dos votos de castidade, pobreza e obediência. Reproduzia-se na clausura a hierarquia e a estratificação da sociedade colonial ao distinguir a sua população em senhoras e escravas.

Ao fazer a classificação das mulheres quanto à raça e à condição legal, se fazia uma distinção entre aquelas que seriam sexualmente disponíveis daquelas que cuja honra deveria ser preservada. Por sua vez, nos conventos isso era visível, pois crescia um grupo de mulheres à parte que nada tinham a ver com as finalidades das instituições, criando assim conflitos e tensões, como a independência das recolhidas e a violação do princípio de clausura.

Na primeira parte da pesquisa, intitulada “Levantando os muros da clausura” é subdividida em dois capítulos, cada um com três subpontos. Os três contos e os três pontos contados no primeiro capítulo e exposto de forma mais minuciosa nos dois seguintes, fala da vida de mulheres da época: Joana de Portugal, proibida de professar solenemente seus votos pela condição de herdeira real, definida nos escritos como beata, santa e mulher amorosa; Jacinta de São José, fundadora da ordem das Carmelitas Descalças no Brasil.

As sete filhas de Chica da Silva e de João Fernandes de Oliveira: Rita Quitéria, Luiza Maria, Helena Leocardia, Ana Luíza, Francisca de Paula, Ana Quitéria e Quitéria Rita. Estiveram enclausuradas entre os anos de 1767 e 1781, e juntas deixaram o claustro em 16 de julho de 1781, por solicitação de sua mãe e com a autorização do governador do bispado. Vale ressaltar que Chica da Silva, entrava e saía do recolhimento quando e como queria, chegando a passar dias inteiros na companhia de suas filhas, juntamente com escravos e até banda de música.

As personagens destacadas, revelam que na época moderna, os limites entre o sagrado e o profano eram mais tênues do que supomos e que a honra e a devoção fazia parte dos sentimentos humanos de maneira profunda e irresistível. Na vida das mulheres de então, a clausura desempenhava um papel importante, tornando-se alternativa para situações diversas, seja por motivos de honra ou de devoção, e por vontade própria ou de familiares.

A segunda parte nomeada “Mulheres enclausuradas” se dá em dois capítulos, um primeiro que elucida a preservação da honra e da virtude feminina. E conhecemos a variedade de situações em que as mulheres se encontravam ao serem acolhidas nesses espaços, eram moças a fim de serem educadas, esposas oprimidas pelos maridos, jovens desejosas de uma vida virtuosa de dedicar-se à vocação religiosa, mulheres que traiam seus esposos, etc. Todas envolvidas pelas ideias do tempo, em que a mulher virtuosa era a pura, a casta, a fiel ao marido e, portando, honrada.

O segundo capítulo faz uma memória da população feminina nas instituições de reclusão, mostrando as diferenças entre as mulheres que faziam a experiência reclusa. Chamadas de freiras, religiosas ou irmãs, porém as religiosas professavam votos solenes, vestiam hábito e por conta disso encontravam maiores obstáculos para desistirem de tal opção.

Na terceira parte designada “À sombra dos círios: o cotidiano das mulheres sós”, divididos em quatro capítulos e ocupando a maior parte do texto, nos remonta às várias formas de disciplina que as moças eram submetidas desde o momento em que atravessavam os portões dos claustros. Todo um conjunto de hábitos deviam ser deixado pra trás, e outros deveriam ser absorvidos lentamente no decorrer do noviciado. Controle e disciplina eram aspectos que as futuras religiosas deveriam acostumar-se desde cedo, observadas desde os menores gestos, sendo advertidas e punidas quando desrespeitasse as normas de conduta.

No quinto capítulo, primeiro da terceira parte, conseguimos visualizar o controle e a disciplina das reclusas, tendo em destaque a figura do sino, que definia e divida o tempo de oração, contemplação e ação. O sexto capítulo apresenta a construção da sociabilização das internas, que longe das suas famílias se encontravam de certa forma independentes.

A questão das moças que estavam nos conventos e recolhimentos por tempo provisório para receber uma educação, é mostrada no sexto capítulo. Não se recusava meninas que desejavam apenas se educar, para quem a clausura se tornava somente um estágio passageiro. Essas instituições se desenvolveram somente a partir do século XVII.

No último capítulo, dividido em três pontos, percebemos o caminho que era proposto às internas, para uma vida de perfeição. Dentre as práticas devocionais destacavam-se as leituras e os exercícios espirituais. Eram necessárias práticas comunitárias e individuais, como a participação em todas as cerimonias litúrgicas, nas procissões, na entrada e no funeral de uma irmã. De forma individual, a oração sempre foi a prática mais essencial e comum. A preparação para a morte era feito através do exercício de despedir-se da vida, e a partir de então resignar-se dia a dia. Tais práticas fecundavam as casas de reclusão, como também ultrapassavam os seus muros.

De forma conclusiva, a autora fala das poucas diferenças existentes entre os conventos e os recolhimentos na Colônia, dizendo ela que as diferenças eram mais formais do que práticas. O título atribuído ao estabelecimento não definia os seus fins, mas o que moldava o seu trabalho eram as necessidades das populações locais, que acomodavam-se às realidades coloniais. Sendo assim, o convento poderia servir para fins seculares, como o recolhimento poderia tomar responsabilidades de uma casa de oração.

As últimas páginas do texto em anexo mostram os registros do inventário dos bens do recolhimento de Santa Teresa entre os anos de 1747 e 1795, impressiona que dentre os bens lista-se as casas de taipa de pilão, e os escravos: negros – um solteiro “Bernardo” e um casado “Domingos”; e negras – uma casada e falecida “Genoveva”, uma solteira “Thereza” e uma rapariga “Rita”. Em um segundo anexo comprovamos a prestação de contas de fevereiro de 1804, que consta do enxoval de quatro noviças e outros gastos.

Fazendo uma volta sobre a história, se confirma mais uma vez ao ler essa pesquisa, que a Igreja mais uma vez foi vista e aprovada como a salvadora da moral e dos bons princípios. Mesmo que os grandes colonos acreditassem possuir poder, chegou a vez de pedir ajuda à Igreja, mesmo que muitas vezes os mesmos dessem as indicações e recebessem privilégios sobre tais situações.

Graças a um novo jeito de pensar, e da necessidade de desprender–se das honrarias que eram recebidas pelos reis, a Igreja hoje consegue, mesmo que ainda se deixe levar em pequenas situações, mas na sua grande maioria não concebe o Estado dizer como fazer ou deixar de fazer.

A mulher sempre teve seu lugar na Igreja, mesmo que por anos esse lugar foi obscurecido e escondido, e foi muito importante essa participação na vida social ao longo da história. E contemplando essas mulheres honradas da colônia, não podemos esquecer de tantas guerreiras que hoje são veneradas nos nossos altares, muitas delas que passaram por todas as dificuldades e reclusões, de diferentes maneiras e em outras intensidades.

Deus te abençoe e Maria te guarde!

Diácono Durval Filho

Consagrado da dimensão de Aliança da Comunidade Mariana Boa Semente

Missão Banabuiú

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