29/01/2018

E nós desejamos prosseguir!

por Padre Cristiano Pinheiro

Este é um dos trechos que mais me impressionam no EscritoAmor Esponsal [2]! Ao lê-lo, meio que sem perceber, minha imaginação – fascinada – começa a voar longe… Percebo-me, de repente, pensando nos incontáveis homens e mulheres, santos e santas, que se deixaram inflamar completamente pela caridade do Cristo-Esposo ao longo da História; na multidão de […]

Este é um dos trechos que mais me impressionam no EscritoAmor Esponsal [2]! Ao lê-lo, meio que sem perceber, minha imaginação – fascinada – começa a voar longe…

Percebo-me, de repente, pensando nos incontáveis homens e mulheres, santos e santas, que se deixaram inflamar completamente pela caridade do Cristo-Esposo ao longo da História; na multidão de cristãos que foram abrasados pelo fogo do Seu Coração; nos muitos mártires que, sabendo-se profundamente amados por Deus, não hesitaram diante da morte e tornaram-se espelhos deste mesmo Amor que gratuitamente receberam.

Penso, com uma grata empolgação, nas tantas e tantas vidas ofertadas, em tempos e lugares diferentes, que testemunharam em uníssono que o Amor de Cristo impele a uma “entrega total”. Pessoas de carne e osso, bem frágeis, bem humanas. Sacerdotes, religiosos, casados, casais, jovens, adolescentes, crianças… Sim, crianças! Teresas: em Ávila e Lisieux, nos Andes e em Calcutá. Franciscos: de Sales, Xavier e o Pobrezinho de Assis. João: o discípulo amado, o Bosco, o Vianney e o da Cruz. Inácios, Domingos, Pedros, Paulos, Marias! José, Gianna, Agostinho, Tomás, Cecília, Catarina, Bento, Clara, Luís, Pio, Karol… Tantos! Pessoas que, amadas de verdade, amaram de verdade.

Estes santos – atraídos e arrastados pela experiência do Amor de Cristo – caminharam, correram! Estes mártires, sim, entregaram-se livremente à morte por causa do Evangelho. E nós? Tão intensamente “amados pelo Amor”, assim como o foram os santos e os mártires, que resposta poderíamos dar?

Também nós desejamos prosseguir. Eis enfim, repleta de esperança, a nossa resposta. Imensamente amados por Deus, assim como aqueles que nos precederam, não conseguimos concluir outra coisa. O que nos cabe é também corresponder a este Amor com uma generosa oferta da nossa existência.

Brota irresistivelmente em nós, unida à nossa resposta de amor ao Amor, uma pergunta, uma “indagação fundamental”, própria de quem se vê desposado pela Caridade de Cristo: “O que fazer, ó Senhor, a não ser amar-Te perdidamente? Entregarmo-nos a Ti com toda a nossa fraqueza e, apesar dela, nos consumirmos de amor por Ti e sermos servos do Teu Reino?”[3]

Pergunta espontânea essa, que surge em quem, por experiência, se sabe e se percebe enormemente amado pelo Senhor. Fácil e espontâneo de perguntar, porém difícil de assimilar uma lógica tão diferente da nossa! Nós, amados apesar – e até mesmo por causa – de nossas fraquezas, somos impulsionados a amar a Perfeição com nossa imperfeição! Injusta paga a nossa, acolhida misteriosa e misericordiosamente por Aquele que dedica a nós incessantemente uma Caridade sem limites.

Diante disso, como Santa Teresa d’Ávila, percebemos o quanto é pouco ter uma vida apenas para corresponder o que se experimenta da parte de Deus. Mil vidas tivéssemos nós! Ainda assim seríamos incapazes de amar a Deus como convém. Ele dispensa sobre nós Seu Amor infinito e acolhe nossa pobre vida, concedendo-nos aí, nessa troca desigual de amor, nossa plena realização.

“Um coração inflamado por este amor tudo realiza, a tudo se dispõe.”[4]

A experiência de ser tocado e inflamado pelo amor repele toda e qualquer inércia. Este amor de Cristo move a um “realizar”, move a um “dispor-se”. Saímos, portanto, de uma esfera apenas conceitual, e somos levados à exigência de uma esponsalidade encarnada para com Aquele que nos ama e que o nosso coração escolheu amar.

Sendo assim, ao contemplarmos toda a beleza que reside neste mistério de gratuidade e de recíproco dom – o Amor de Deus manifestado a nós e a nossa correspondência – deparamo-nos, todavia, com o fato de que esta entrega da nossa vida deve exceder e ultrapassar as fantasias e lirismos que possam vir a nos privar de sermos concretos. Ofertar a vida é algo bastante real: é empresa que supõe perda, esvaziamento e morte para nós mesmos. O que seria “ofertar”, senão perder a vida para si a fim de que Deus a tenha? O que seria “entregar”, senão pôr nas mãos de Deus todo o nosso ser, corpo e alma, para que Ele disponha de nós como Ele quiser?

O fascínio de outrora, embora não deixe de existir, desce das alturas e toca os pés no chão. “Os santos caminharam. Os mártires entregaram suas vidas.” Este deslumbrante trecho que arrastou o meu e o nosso coração para altíssimos desejos, é o mesmo que nos conclama a considerarmos que o caminho dos santos e dos mártires não foi um “faz de conta”. A via da santidade é aquela de Cristo: a da Cruz.

Este caminho de Cruz, contudo, não rouba a beleza do amor que escolhemos dedicar a Deus quando fomos tocados e amados por Ele, pelo contrário, a Cruz acrescenta ao nosso amor verdade e autenticidade. É falso afirmar que queremos caminhar como os santos se nos isentamos de receber na nossa carne a Cruz de Cristo. O Evangelho, longe de nos enganar, traz a nós a força da Palavra do Mestre: “Se alguém quer vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.”[5] Ou seja, quem quiser prosseguir; quem quiser caminhar com os santos e correr com os mártires, “tome sua cruz”. Quem quiser a grandeza do Amor, abaixe-se e morra para si! Quem quiser os altos vôos da Caridade, passe pelos rasteiros caminhos da Humildade, como o próprio Servo, Jesus Cristo, o fez. “Tome sua Cruz!”

Cruz de Cristo, doce herança deixada aos que, amados por Ele, também querem amá-Lo de verdade! Cruz de Cristo, via única para a Ressurreição! Cruz de Cristo, contramão da falsa santidade!

Decorre daqui, uma necessidade ainda maior de sermos concretos. E no desejo de seguirmos os passos de Cristo, certamente nos fazemos esta pergunta: E esta Cruz? O que é esta Cruz para mim? – Deixemos que nossa própria vida e o mundo que nos cerca nos dêem uma resposta a tal questionamento.

Quantas são as nossas oportunidades de encarnar o Evangelho de Cristo! E, infelizmente, quantas vezes as desprezamos! Quantos irmãos a amar, quantos pobres a confortar, quanta necessidade de serviço na Obra de Deus! Como é necessário mostrarmos ao ceticismo do mundo, com nossa vida, que Deus nunca deixou de existir! – “Os santos caminharam”! Como precisamos mostrar à cultura de morte presente na sociedade que só há verdadeiro bem e progresso quando há a valorização da vida! – “Os mártires entregaram suas vidas”! Como é fundamental buscarmos hoje uma vida pura e testemunhar a alegria da castidade a tantos jovens perdidos em um vazio hedonista! Como é essencial anunciar para esta “terra do tanto faz”, afundada em seu relativismo, que a Verdade é só uma: Jesus Cristo! No meio deste mundo necessitado de santos e mártires, somos acordados do sono de nosso egoísmo e acomodação pelo brado de Cristo: “Tome sua Cruz!”

Ousar num impetuoso testemunho de Cristo neste mundo de hoje é excelente forma de tomar a Cruz. No entanto, como nossa pequenez nos acovarda diante destas tantas urgências! O seguimento de Cristo pode muitas vezes se apresentar a nós como algo impossível, mas é justamente aqui que precisamos deixar ressoar a Palavra dentro de nós: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: Eu venci o mundo”![6]

Eles, porém, o venceram graças ao sangue do Cordeiro (…) pois desprezaram a própria vida até à morte.”[7]

Quem são estes “vencedores”? O que eles venceram? E por que, para vencer, tiveram que abnegar-se da própria vida? Aqueles que se perceberam inundados por um inquietante mistério que convida a nada reter… Estes, com Cristo, venceram e vencerão o mundo. A Esposa triunfante, Igreja dos mártires, santos e santas – vencedores! – é coroada pelas palavras do Esposo: “Quem perder sua vida por causa de mim, a encontrará.”[8] Assim, podemos escolher existir em amorosa expectativa, tal qual as virgens que mantiveram acesa a lâmpada da espera[9],perdendo-nos e consumindo-nos dia após dia, como os santos, evitando todo e qualquer “ganhar a vida” que nos furte do encontro definitivo com o Amado.

Este é o caminho dos bem-aventurados, a via estreita que alarga o coração a um concreto amor a Jesus: Perder para nós mesmos nossa própria vida, dá-la a Deus, colocá-la a serviço do Evangelho, tomar nossa cruz dia a dia.

Sintamo-nos encorajados por aqueles que vieram antes de nós e não se decepcionaram. Quantos santos a Igreja nos deu, e com eles a esperança de que vale a pena prosseguir! Não há outra realização cristã, e mais, não há maior realização humana do que a santidade. Ser santo é a “única forma de ser plenamente homem”.[10]

Que nós não nos atemorizemos diante deste caminho! Apesar dos desafios, esta é a via que nos conduz aos bens mais aguardados pelo nosso coração. Que toda fantasia se desfaça. Que a santidade buscada por nós seja a de um amor provado nas circunstâncias da nossa vida. Que o sentido de nosso existir seja viver a perfeição da Caridade, aquela de Cristo que não poupou a vida! Façamos tudo o que nos cabe: amar concretamente. E Ele, o Leal, de sua parte saberá nos recompensar,enxugará toda lágrima de nossos olhos.[11]

[1] Escrito Amor Esponsal, 11.

[2] Amor Esponsal é um dos escritos fundamentais do Carisma Shalom; contém o “cerne” da Vocação Shalom. Escrito pelo Fundador da Comunidade, Moysés Louro de Azevedo Filho.

[3] Escrito Amor Esponsal, 8.

[4] Escrito Amor Esponsal, 11.

[5] Cf. Mt16,24.

[6] Cf. Jo16,33b.

[7] Cf. Ap12, 10-11.

[8] Cf. Mt16,25.

[9] Cf Mt25,1-13.

[10]AZEVEDO, Moysés. Carta à Comunidade 2005.

[11] Cf. Ap7,17.

Padre Cristiano Pinheiro
Missionário da Comunidade de Vida Shalom

Formação Shalom 12/09/2008

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