04/05/2020

Dom Paglia: fraternidade, único futuro possível

Em seu recente e-book “Pandemia e fraternidade. A força dos laços humanos reabre o futuro”, o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Dom Vincenzo Paglia, lança o slogan do “antivírus da solidariedade” e pede uma visão bioética global: “implementar uma bioética global é como recuperar o sonho de Deus no início da criação”.

Fabio Colagrande – Cidade do Vaticano

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A pandemia nos mostrou a nossa fragilidade como indivíduos. Também a sociedade, as estruturas e superestruturas que criamos para defender nossa vida, com todos os seus privilégios, também se mostraram vulneráveis.

Segundo o arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, a única resposta possível, olhando para o futuro, é aquela construída sobre a fraternidade e solidariedade, entendidas não como valores cristãos, mas fundamentos sobre os quais repousa a sobrevivência da humanidade.

O prelado fala sobre isso no ensaio recém publicado, “Pandemia e fraternidade. A força dos laços humanos reabre o futuro”, (Piemme-Molecole). O texto, partindo de uma recente nota da mesma Academia, quer abrir uma discussão ética e cultural sobre o pós-pandemia e os critérios de um reinício. Os conceitos centrais são a “globalização da fraternidade” e a disseminação do “antivírus da solidariedade”, como explica o presidente do dicastério para a vida à Radio Vaticana Italia:

Quando o Papa Francisco, na oração de 27 de março, disse que estávamos todos andando em uma velocidade supersônica, pensando ser saudáveis ​​em um mundo doente, nos recordou que, na realidade, não éramos saudáveis. Havia um vírus entre nós, antes do coronavírus, que eu chamaria de vírus do individualismo e da consequente solidão que, na realidade, já havia enfraquecido radicalmente nossa sociedade. No fundo, o coronavírus fez emergir, explodir essa fragilidade inerente à natureza de cada um de nós, que porém, não queremos ver, muito menos considerar. Nesse sentido, há uma inteligência a ser usada neste momento. O coronavírus é uma molécula, nem mesmo viva, um parasita que, num piscar de olhos, colocou todos e tudo de joelhos, demostrando que se a fragilidade não for reconhecida no final, sofreremos as consequências. Se o orgulho todo-poderoso de cada um de nós continuar a guiar nossas escolhas, a guiar o sentido da própria vida, no final é óbvio que os frutos são aqueles que vimos. Eu diria, portanto, que esta pandemia nos mostra a verdade daquilo que somos. E nesse sentido, então, a necessidade de pedir ajuda, a necessidade de nos apoiar mutuamente, de dizer basta a todo individualismo, soberba, toda autodeterminação, está finalmente sob os olhos de todos. Não podemos mais continuar como fizemos até agora.

O senhor defende uma visão bioética global. O que isso significa?

Quando olhamos para nossa vida, para nosso mundo, o sentido de nossos dias, devemos levar em conta que estamos ligados um ao outro. Cada ação nossa nunca é somente nossa, mas é sempre também dos outros, no bem e no mal. Eis porque todas as escolhas – políticas, econômicas, sociais e individuais – se não levam em consideração uma visão universal do bem comum ou melhor da fraternidade, correm o risco de causar somente danos. A fraternidade é um termo que, acredito, deveria envolver de forma radical todas as nossas escolhas. Uma fraternidade entre os povos, dentro das realidades associativas das cidades, a fraternidade entre o homem e a criação, a fraternidade como redescoberta do destino comum de todos. Implementar uma bioética global é como recuperar o sonho de Deus no início da criação. Toda criação é a casa comum dos homens. A aliança de homem e da mulher deve ser responsável por todas as gerações e deve ser responsável pela custódia desta casa. Tudo isso foi negligenciado. Uma das razões da pandemia é, segundo muitos, a devastação do clima. As mortes dos idosos na RSA são uma das consequências da devastação das relações entre as gerações. Prolongamos a vida, o que é excelente, mas depois depositamos aqueles a quem demos esse presente em locais de ‘fim da vida’, dobrando de alguma forma a crueldade.

O senhor também dedica amplo espaço nesta publicação ao que poderíamos chamar de cura espiritual e comenta quatro Salmos: 13, 22, 130 e 143. Por que?

Acredito que esse momento de máxima fragilidade possa ser representado com a imagem do clamor de Jesus na Cruz, que encarna todos os povos de todos os tempos. É uma imagem que representa uma oração, um pedido de ajuda. A mesma que o Papa Francisco expressou em 27 de março na Praça de São Pedro vazia, mostrando o clamor do homem a Deus. Neste sentido, a tradição judaico-cristã nos deixou um extraordinário patrimônio de invocação que neste momento adquire grande poder. Eis porque quis mencionar nesta reflexão quatro salmos de invocação, mesmo dramáticos, porque o mundo inteiro precisa disso. Impressionou-me que a transmissão televisiva da oração do Papa naquela noite de sexta-feira fosse vista por milhões e milhões de italianos, dos quais muitos certamente não são crentes ou católicos. O Livro dos Salmos, com suas invocações a Deus, pode ser um vademecum importante, porque recolhe nossos medos, nossos sofrimentos, nosso grito, as nossas esperanças, as nossas angústias. Sempre guardei aquilo que meu querido amigo Elio Toaff, rabino de Roma, me contou. Me dizia que desde criança seu pai o aconselhava a levar sempre o Livro dos Salmos. Ele havia explicado a ele que ali está como que contida toda a vida e os Salmos te ajudam a enfrentá-la. Toaff me disse que, quando foi capturado e estava prestes a ser fuzilado, perguntou aos guardas se poderia recitar um salmo antes de morrer. Ele se retirou para rezar e milagrosamente um dos soldados o convidou a escapar. Com este episódio, expressava sua profunda religiosidade, a convicção de que Deus realmente te ajuda na vida. Mas acredito que o Livro dos Salmos neste momento possa realmente ser um vademecum extraordinário, mesmo para aqueles que não acreditam.

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