07/02/2015

Motivações bíblicas da virgindade e do celibato pelo Reino dos Céus

por Comunidade Shalom

“Há aqueles que, por causa do Reino dos céus, não se casaram”.

“Há aqueles que, por causa do Reino dos céus, não se casaram”.

Nesta meditação falarei indiferentemente de celibato, de virgindade e de continência voluntária, porque são palavras que de fato designam a mesma realidade, ou pelo menos um mesmo estado de vida. Pessoalmente prefiro usar as palavras virgindade e virgens, como as mais abrangentes. De fato, o Novo Testamento não reserva esse título apenas as mulheres não-casados. O Apocalipse chama de “virgens” aqueles que não se uniram a mulher e que, portanto, seguem o Cordeiro por onde for (veja Ap 14, 4).

A instituição desse estado de vida encontra-se no Evangelho de Mateus, no capítulo 19: “Se essa é a situação do homem com referência à mulher, não vale a pena se casar”. Ele respondeu-lhes: “Nem todos são capazes de entender esta doutrina: só entendem aqueles a quem Deus dá entendimento. Porque há pessoas que não se casam porque são eunucos de nascença, ou por outros foram feitos eunucos; e há também aquelas que se abstêm do casamento por amor do Reino dos Céus. Quem puder entender, que entenda!” (Mt 19, 10-12).

A palavra “eunuco” soa um pouco dura aos nossos ouvidos modernos, mas era dura também para os contemporâneos de Jesus. Segundo alguns a escolha desse termo insólito deve-se ao fato de os adversários de Jesus o terem acusados de ser um eunuco, não se tendo casado, da mesma forma que outras vezes o acusaram de beberão e comilão (veja Mt 11, 19). Era um palavra muito ofensiva porque, para a mentalidade hebraica do tempo, o casamento era uma obrigação moral, sendo conhecida a sentença de certo rabi Eleazar: “um homem que não tem sua mulher nem mesmo é homem” (Talmude Babilônico, Jabamot 63 a). Jesus estaria, pois, assumindo a acusação de seus adversários dando-lhe, porém, um conteúdo novo com a revelação dessa forma nova e especial de ser eunuco.

Há, diz Jesus, alguns que “não se casam” (esse é o equivalente não polêmico do termo “eunucos”) porque por nascença não o podem fazer, devido a algum defeito natural; outros há que não se casam porque são impedidos pela maldade dos homens ou pelas circunstâncias da vida; outros finalmente não se casam por amor do reino dos céus. Neste último caso a palavra “eunuco” assume um significado diverso, não físico mas moral. Foi assim que sempre o compreendeu a tradição cristã, exceto no caso bem conhecido de Orígenes que, contra seu costume, tomou essa palavra do Evangelho ao pé da letra e se castrou, pagando depois muito caro pelo seu erro.

A menção do Reino dos céus introduz de repente no discurso de Jesus uma dimensão de mistério que aumenta ainda mais com a lacônica frase final: “Quem puder, que entenda”. Ou seja: compreenderão aqueles a quem for dado compreender.

Assim nasce um segundo estado de vida e esta é sua “magna charta”. Pois não existia antes de Jesus uma condição de vida que se pudesse comparar a esta por ele instituída, se não quanto ao fato, pelo menos quanto à motivação. Os essênios de Qumran também conheciam e praticavam uma forma de celibato, mas este tinha porém uma conotação ascética, de renúncia e de pureza, mais que uma conotação escatológica. Não era uma celibato motivado pela vinda do Reino, mas quando muito, por sua expectativa. Aliás, não podia ser diversamente. Só a presença do Reino sobre a terra podia instituir essa segunda possibilidade de vida que é o celibato. “por amor do Reino”.

Esta possibilidade não anula a do matrimônio, mas relativiza-a Acontece o mesmo que com a idéia de estado no campo político: não é abolido, mas fica radicalmente relativizada pela revelação da presença contemporânea de um Reino de Deus na história. A continência perfeita está diante do matrimônio mais ou menos como o Reino de Deus está diante do Reino de César: não o elimina, mas coloca-o numa situação diferente da anterior. Deixa de ser a instância única no seu campo. Do mesmo modo como o Reino de Deus é de uma ordem diversa do reino de César, um não precisa negar o outro para poder subsistir. Do mesmo modo a continência voluntária não precisa que o matrimônio seja negado para que sua validade seja reconhecida. Aliás, essa validade somente ganha sentido a partir de uma contemporânea afirmação do matrimônio.

Formação – dezembro de 2008

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