03/05/2015

Aprenda a cultivar a vida interior

por Dom Alberto Taveira Corrêa

Nas fontes batismais, cultivamos a vida interior que norteia nossas escolhas no cotidiano

Nas fontes batismais, cultivamos a vida interior que norteia nossas escolhas no cotidiano

A Páscoa é celebrada durante as semanas que se seguem ao dia da Ressurreição do Senhor, nas quais procuramos conhecer mais os sacramentos, as orações e a própria vida da Igreja. Trata-se de um tesouro inesgotável, do qual desejamos continuamente haurir a seiva que sustenta a presença cristã no mundo. A fonte é sempre o Senhor Jesus Cristo, Cabeça do Corpo que é a Igreja, com Sua graça comunicada a todos os cristãos. Nele fomos enxertados pelo batismo, nele desejamos permanecer e produzir frutos (Cf. Jo 15, 1-8). A vida cristã é uma divina aventura, conduzida pela graça de Deus, a fim de que nós manifestemos visivelmente a obra que o Senhor realiza em nossas almas, fazendo a nossa parte na construção do Reino de Deus. Sim, a cada cristão, renascido nas fontes batismais, cabe a tarefa de desenvolver a vida divina que lhe foi concedida.

Começa por dentro, no cultivo daquilo que chamamos vida interior, por meio do cuidado com a semente de vida plantada por Deus em nosso coração. Vale uma pergunta a respeito das ocasiões em que nos encontramos sozinhos, olhando no espelho da própria consciência, para verificar se estamos cuidando com carinho do que Deus mesmo plantou em nós. Como é a nossa oração pessoal? Como utilizamos o tempo livre? Para que exista coerência em nossa existência, há que se cuidar do lado de dentro, a ser continuamente examinado, com o que a Igreja chama de exame de consciência, feito no confronto o que Deus pensa para nós. É fácil perguntar o que penso sobre minha vida, até porque podemos ser juízes tendenciosos em causa própria. Muito mais exigente e libertador é deixar que a luz de Deus ilumine o recôndito de nossa alma. De fato, a Escritura ensina: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não rejeites, pois, a repreensão do Poderoso, porque ele fere, mas trata da ferida; golpeia, mas suas próprias mãos curam” (Jó 5, 17-18).

O cuidado com a vida interior pode contar com duas fontes preciosas, que se completam maravilhosamente. Trata-se da Palavra de Deus, lida, ouvida e praticada, e mais a vida de oração. Como estamos tratando de cristãos desejosos de aprofundar sua vivência pessoal da fé, vale para todos a insistência em rezar mais e rezar melhor. É escolher mesmo um tempo para rezar. A sabedoria da Igreja nos indica as orações da manhã e da noite, a leitura orante da Palavra de Deus, a participação na Eucaristia como ponto alto da semana, além do Rosário e as devoções pessoais, cultivadas com carinho. E a história dos santos nos legou pequenas flechas, dardos de amor dirigidos ao Senhor, chamados “jaculatórias”, começando da invocação do nome de Jesus.

Quantos “peregrinos” aprenderam a dizer “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem piedade de mim, que sou pecador”, invocação repetida inúmeras vezes durante o dia, a chamada “Oração de Jesus”. Impressionante é a força libertadora da memória que se enche de coisas boas, das quais a melhor é o cultivo da amizade com Deus. O que importa é nortear o programa de vida com escolhas claras, priorizando o que passa na frente, que é seguir a Jesus Cristo.

Toda planta frutífera vem a ser podada de tempo em tempo. Daí vem a magnífica afirmação do Senhor: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 1-2). Como acontece com a parreira de uva, também nossa vida cristã precisa ser podada e purificada. “Nossos pais humanos nos corrigiam, como melhor lhes parecia, por um tempo passageiro; Deus, porém, nos corrige em vista do nosso bem, a fim de partilharmos a sua própria santidade. Na realidade, na hora em que é feita, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados” (Hb 12, 10-11). Certamente não é fácil suportar os golpes de cinzel do divino escultor, que quer esculpir em nós uma obra de arte. Algumas podas permitidas pelo Senhor, como o sofrimento, o cansaço, as tribulações, a perseguição ou as crises pessoais não nos façam perder a esperança.

E chega a nossa vida o tempo dos frutos (Mt 7, 17-12): “Pelos seus frutos os conhecereis”. Nossa união com o tronco, de onde recebemos a seiva da graça, manifesta-se na caridade vivida, na atenção ao próximo, nos gestos e palavras correspondentes à fé professada. Não cabem na vida do cristão a insensibilidade diante do sofrimento nem a desatenção com aquilo que ocorre ao nosso redor. Nos dias que correm dos desastres naturais noticiados, como o terrível terremoto no Nepal, passando pelos vulcões e outros fenômenos, chegamos aos problemas criados pelos homens e mulheres de nossa geração. Há poucos dias, os bispos do Brasil, reunidos em sua 53ª Assembleia Geral, alertaram nosso povo para algumas das muitas mazelas que pedem o testemunho corajoso dos cristãos: “A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (Cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade.

Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética. A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis”.

Nosso relacionamento com a família, o ambiente de trabalho e todos os níveis de contato com as pessoas e a sociedade devem transformar-se a partir de dentro do coração humano, para gerar uma nova cultura, aquela que o Papa Francisco chama de “cultura do encontro”. O Papa se relaciona com os outros como pessoa que encontra pessoas e que coloca profundamente em jogo a sua vida e busca que seu interlocutor coloque em jogo a si mesmo. É uma metodologia muito pessoal e envolvente, manifesta seu carisma, sua capacidade de ir ao coração do outro e convidá-lo a dar passos, a colocar-se em caminho pelo bem da humanidade. No grande vinhedo do mundo, há alguém que sabe vir de dentro do coração de Deus para que a cultura do Evangelho se espalhe!

Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.

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