08/11/2015

A descoberta da ternura

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É com muita alegria que nos tempos atuais podemos constatar que, de fato, a Igreja é sacramento da ternura de Deus no mundo. No livro do Apocalipse encontramos o convite a estar atentos ao que o Espírito diz à Igreja, pois a Esposa é portadora e anunciadora de todas as graças do divino Esposo, e […]

É com muita alegria que nos tempos atuais podemos constatar que, de fato, a Igreja é sacramento da ternura de Deus no mundo.

No livro do Apocalipse encontramos o convite a estar atentos ao que o Espírito diz à Igreja, pois a Esposa é portadora e anunciadora de todas as graças do divino Esposo, e é por meio dela que Ele fala e realiza as suas Obras (cf. Ap. 1ss). Esta revelação divina permanece atual à Igreja e nos revela que no hoje em que vivemos também somos envolvidos pela voz do “amém” definitivo do Pai, que é seu Filho Ressuscitado, o Cordeiro vencedor que nos fala através da Igreja.

O que então o Espírito nos tem dito por meio da Igreja nos tempos atuais? Certamente tem dito muitas coisas, pois esta é uma “Igreja do encontro”, ou seja, que sai ao encontro do homem e deseja falar-lhe ao coração para revelar-lhe o desígnio divino que
se manifesta no Mistério do seu Filho Encarnado, Morto e Ressuscitado. Dentre o muito que ela tem nos dito neste tempo, particularmente através do ministério petrino, podemos encontrar uma boa notícia, que é central na nossa fé: a ternura divina.

A epifania desta ternura se manifesta especialmente no mistério da cruz, mistério este que sempre estará presente na vida da Igreja e de cada discípulo, pois é deste evento que brota o maravilhoso fruto da Ressurreição. É interessante perceber que os discípulos, somente após a experiência pascal, compreendem profundamente o mistério da cruz, o que não acontecera antes e nem mesmo durante a manifestação da mesma. Como nos relatam os evangelhos, todos fugiram e somente João, Maria e algumas mulheres permaneceram junto à cruz. Isso significa que é a Páscoa que nos dá o verdadeiro sen- tido e valor da cruz, assim, a cruz nos conduz à ressurreição, e a ressurreição nos faz compreender o significado mais profundo da cruz.

Este mistério passa a ser central na vida dos discípulos que, por sua vez, começam a ser testemunhas do Ressuscitado e são enviados para anunciar o kerigma: Cristo morreu e ressuscitou para nossa salvação. Desta forma, a cruz permanece no centro da pregação, justamente porque esta revela o ápice da ternura trinitária que se manifesta por meio do Filho e Seu Espírito na história da humanidade.

O máximo, a totalidade!

Nesta perspectiva, podemos compreender também a parábola do Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas (cf. Jo 10,11). Ele dá a vida, a sua vida, ou seja, a Vida Trinitária e, desta forma, o homem criado à imagem e semelhança divina recebe do Filho – em plenitude – a vida divina. Ele nos comunica o que do Pai recebeu e manifesta-nos a Verdade fundamental: somos infinitamente amados e capazes de amar. Este amor, que é a vida do Pastor doada às suas ovelhas, é ternura, revelando que o amor verdadeiro é sempre ato que se difunde e se manifesta concretamente, dando o máximo de si mesmo, amor que não permite e nem cede à lógica do mínimo. Isso é próprio do amor: o máximo, a totalidade!

O divino Mestre, por meio das suas palavras e ações, nos revela exatamente esta ternura “visceral” de Deus que é um Pai cheio de ternura para com os homens. Ele é um Pai que tem um “coração de mãe”, um Pai mais terno do que uma mãe carinhosa, como nos revela a vida e a experiência de Francisco de Assis. Afirmava Clemente de Alexandria que “pela sua misteriosa divindade, Deus é Pai. Mas a ternura (sympathés) que tem para conosco transforma-o em mãe. Amando, o Pai torna-se femi- nino” (Quis dives salvetur 37,2).

O homem deste modo é alvo da ternura divina que o criou, salvou e chama-o continuamente à Comunhão de amor. Desta forma, a ternura se coloca entre a natureza e a graça, pois revela-nos que, antropologicamente, está ligada à nossa identidade humana e, sobretudo, que a graça de Cristo é que a conduz a seu vértice máximo. Este caminho é também o de cada discípulo e por isso o caminho de toda Igreja. Permanecem sempre atuais as palavras de Santo Tomás de Aquino ao afirmar que “a graça não destrói a natureza, mas a supõe, a purifica, a aperfeiçoa e a eleva” (Summa Theologiae, I, q. 1, a. 8).

O homem novo, recriado pelo batismo e pela santidade do Filho Unigênito e de seu Espírito, assume esta graça como fundamento da sua vida e do seu caminho de discípulo. Encontramos na ternura o movimento duplo que parte da dimensão natural como sentimento e ainda mais profundamente da dimensão sobrenatural, revelada pelo Evangelho de Jesus Cristo e, portanto, elemento essencial de toda sequela Christi (seguimento de Cristo) e perfeição do Amor. Portanto, “a ternura apela à caridade; a caridade supõe a ternura e a requer, e nunca uma sem a outra”. É o que nos revela o Mestre através da sua vida.


Vivência da ternura

Todo encontro entre Deus e o homem está marcado definitivamente pela ternura que o busca para salvá-lo, recriando-o em santidade, pois este encontro é iniciativa divina e neste, Deus age revelando-Se e manifestando os efeitos do Seu amor, elevando o homem à sua mais alta dignidade e ao eixo da perfeição, que consiste na relação amorosa com Deus. Nesta perspectiva, a vivência da ternura compreendida no sentido evangélico, apresenta-se como sinal da vocação cristã e sua particular forma de manifestação, esta é “capaz de dar corpo à fé, alma à esperança, coração à caridade”, como afirma o teólogo Carlo Rocchetta na sua rica reflexão teológica sobre a ternura.

É com muita alegria que nos tempos atuais podemos constatar que, de fato, a Igreja é sacramento da ternura de Deus no mundo. Esta realidade podemos experimentar através das palavras e gestos do nosso Romano Pontífice que testemunha o frescor do evangelho do amor que é Evangelho da ternura. Boa nova que é capaz de renovar o entusiasmo de ser discípulo de Cristo e que nos possibilita a levar esta certeza ao coração do homem de hoje, pois este é o feliz anuncio da graça. Tudo isso porque a Verdade divina está sempre unida à Sua ternura. Esta Igreja nascida do Coração traspassado do Senhor é esta mãe que nos gera neste “coração amante” do Senhor. Sua misericórdia gera Igreja que se torna mediadora da ternura de Deus nas nossas vidas. Que nossa Senhora a Mãe da Ternura nos conduza – na Igreja – a mergulhar cada vez mais neste mistério de Amor!

Bibliografia

BIBLIA DO PEREGRINO, Edição de Estudo, Edições Paulus, São Paulo, 2002.

CARLO ROCCHETTA, Teologia da ternura, um “evangelho” a descobrir, Edições Paulus, São Paulo, 2ª edição 2006.

Padre Rômulo dos Anjos
Missionário da Comunidade Católica Shalom

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